sábado, setembro 22, 2007

O inexorável destino do Ser


Na vida, o que temos de mais certo é a morte. É, infelizmente, a única certeza que temos.

Mas, então, por que será que custa sempre tanto aceitar essa verdade inegável? E porque é que uma vida plena de riso e lágrimas e experiências não imaginadas se extingue com a facilidade de uma chama de uma vela, sem lugar a ser recordada senão vagamente pela geração imediatamente a seguir?

Ouvi uma vez um professor meu dizer que só existem 2 tipos de médicos: os que já perderam um doente e os que ainda irão perder um doente. Mas, às vezes, é como se a nossa dedicação pudesse salvar quem nos chega às mãos num estado já não 'salvável', como se o carinho, disponibilidade e atenção que dedicamos aos nossos doentes pudesse mudar o rumo traçado antes de os nossos caminhos se cruzarem...

Falo mais concretamente do sr J, um velhinho com Alzheimer, tão meigo e tão dócil, tão calmo e simpático, apesar de assolado por algo incontornavelmente fatal. Dedico-me a todos os meus doentes, mas é óbvio que há sempre pessoas que nos tocam mais que outras. O sr. J foi um deles. Era extraordinária a capacidade que ele tinha para ultrapassar a dificuldade de estar desorientado, dando respostas inteligentes e evasivas, quase como se tivesse consciência de que não sabia a resposta. Todos os dias eu lhe perguntava se ele sabia onde estava (faz parte da avaliação dos doentes) e as respostas dele variavam: "Sei. Estou aqui.", "Sei. Estou ao pé de si.", "Sei. estou no sítio de sempre". :o) E quando me agradecia as 'maldades' diárias, como tirar sangue ou fazer a auscultação, ou medir a tensão? Um homem que mal tinha fôlego para respirar quanto mais para suspirar aqueles 'Obrigado' com um olhar tão querido e sentido?

O que mais custa é tê-lo visto tão aflito, na agonia da hora da morte, sabendo que nada mais havia a fazer por ele, olhando para mim com aqueles olhos sofridos, pedindo-me ajuda porque não conseguia respirar. O sr J foi, para mim, muito mais do que um doente, como aliás são quase todos, embora reconheça que isso não é saudável para mim. Sofri e sofro a perda do sr J como se fosse da minha própria família, sabendo que lhe dei mais carinho que a dele, que em 20 dias só o visitou 1 vez... Sei que não é o primeiro doente que me chegará às mãos assim, muito menos o último, mas é por eles que passo horas intermináveis (muitas mais do que as que me são exigidas) naquele hospital. Ao mesmo tempo que sei que não é saudável, também sei que não gostaria que fosse de outra forma.

E ainda há pessoas que vêm com o cliché de que os médicos ganham muito e não fazem nada... Quando ouço alguém fazer comentários desses e penso no quanto suamos todos e no quanto damos de nós às pessoas que põem as suas vidas nas nossas mãos, e na sensação de impotência que nos invade em certas situações inevitáveis, só me apetece gritar!!!

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