sexta-feira, outubro 21, 2005

Sr António


Quando iniciamos o 6º ano existe uma sensação estranha de que, apesar dos 5 anos de estudo mais ou menos intensivo, não sabemos nada. E depois aparecem-nos doentes como o Sr António (cujo último nome não posso revelar porque senão estaria a quebrar o sigilo a que também estou submetida...), doentes tão queridos, tão colaborantes e simpáticos, e, sobretudo, tão capazes de ultrapassar o que a vida lhes reservou, com uma serenidade e elegância invejáveis, que simplesmente fazem valer cada gota de suor que gastámos para chegar aqui, com uma vontade férrea de salvar o mundo.

O sr António teve um AVC no dia em que fazia 81 anos. Teve convulsões, falava de forma incoerciva, e chegámos a pensar que não teria salvação. Foi, aliás, a 1ª vez que assisti a uma convulsão, e corri em busca de alguém com poder terapêutico para lhe salvar a vida como se da minha se tratasse. Não só se salvou como 2 dias depois (na 2ªfeira) já falava, embora não fosse capaz de mexer o lado direito.

Desde então tem vindo a melhorar a olhos vistos. Já se mexe, fala fluentemente e todas as manhãs, quando lhe vou tirar sangue, diz com um grande sorriso: "Oh Dra, já me picaram 51 vezes! Mas se tem que ser tem que ser...". E quando lhe avalio a força muscular nos 4 membros e face, ri-se muito e diz-me "A Dra tem com cada uma! E que tal? Hoje tenho mais força? Obrigada por este exercício matinal! Já sentia a sua falta!", sempre simpático e muito agradecido por estar no ponto em que está e não pior, por ter podido passar mais 1 aniversário em vez de maldizer a hora em que tudo isto lhe aconteceu...

Obrigado, sr António, por nos ensinar a gratidão e a doçura, por nos lembrar do que nos motivou a vir para esta profissão, e que para o ano tenha uma prenda melhor do que a deste...

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